edimilson de almeida perreira

EDIMILSON DE ALMEIDA PERREIRA

QVASI

por definição língua geral

que serve
para toda obra, mas não
serve
de bom grado sua sintaxe

por sugestão: língua letal
que guarda em si
o gesto secreto: o não

língua que se traz no bolso
para ofício
de cortes

em tempos de fala-pires
língua-pinça
antiformigas

(tamanduá em ronda,
depois do incêndio)

língua para a celebração
do erre
uma califórnia de insetos

por condição: língua real
lesma sem ouro
no esterco         língua
de nenhuma grei

por negação: língua, sim,
que elege os poros
de sua passage

língua que aproxima
a coisa
e o nome

em tempos sem abraço
língua-musgo
isca

peixe-boi no pasto
língua para invocação
do homem
uma baía de ossos

por definição: língua legal

que serve
a tudo, menos a quem
impede
a sua economia

por princípio matemático

móbile
parte de um corpo, o
corpo
mesmo que ausente

ângulo reto, língua em
cifras
pitágoras em agonia
          — o zero

fração angular
do pensamento, língua
equação
de seu próprio dilema

por afirmação: língua

de escola, não
apenas
língua que em plena
desordem

veste camurça — zelo
de usuário
que indo à casa de farinha
vai a paris

língua do faz-compra-na-
esquina
pega-o-tatu-pela-raiz

língua-bodoque, truque
para ferir
no brio
o bispo, o dígito ditador

por definição: língua

que mais serve sem
adjetivos
e as demais categorias
que nos fustigam

língua que tolera o homem
ínfimo
e sua falta
          língua
porfírio clarismúndi: sibéria
de signos

tão avessa aos vestidos
desnuda
que a tudo reveste

língua: mendigo, mão exposta
à dádiva

— quem a recolhe a multiplica

serro
erro: sumário de paisagens

 

QVASI

for definition: general tongue
that serves
for all work, but does not
serve
of good degree your syntax

for suggestion: lethal tongue
guards itself
the secret gesture: the no

tongue that is in the pocket
to politely
craft

in times of saucer-talk
tongue-tweezers
antiforms

(anteater on patrol,
afterwards in the fire)

tongue to celebrate
the error
a california of insects

for condition: real language
slug without gold
in the manure       language
of no one society

for negation: language, yes,
that constitutes the pores
of your passage

language that approaches
the thing
and the name

in times without embrace
moss-language
bait

fish-ox in the pasture
language for invocation
of the human
a bay of bones

for definition: legal language
that serves
the all, least to those whom
impede
the economy
for mathematical principle

mobile
part of a body, the
corpse
same as the missing person

angular straight, language in
number
pythagoras in agony
          — the zero

angular fraction
of the thought, language
equation
of its own dilemma

for affirmation: language

from school, not
only
language but in full
disorder

suede cloth — user’s
zeal
going to the flour house
goes to paris

language of the make-buy-on
the-corner
take-the-armadillo-by-the-root

language-slingshot, trick
to wound
in dignity
the bishop, the digit dictator

by definition: language
what else serves without
adjectives
and the rest of the categories
that annoy us

language that tolerates the tiny
human
and his fault

    language
clearworld porphyry: a siberia
of signs

so inside the clothes
naked
that everyone sees

language: beggar, hand exposed
the gift
—who to collect to multiply

i cut
i err: summary of landscapes

 

VIAGEM

Um vivente tem pouco de si,
exceto se a morte lhe
põe o terno. O que

tem é o para si: ferramentas
de corte, bens
da corte. Insônia pela falta,

esse animal no tapete.
A posse ilude
o bolso de quem mal tem a si.

Um vivente
vê o que se move
à sua volta. Não já não

se decide pelos bichos
ou caprichos.
Está à margem, ferido.

O pouco de si,
quando resta, pertence
à Quimera.

 

VOYAGE

A living creature has little of itself
except if death dons you
with the suit. What

you have is for you: tools
for cutting, goods
of the cut. Insomnia by the fault,

this animal in the carpet.
The land eludes
the pocket of the evil one himself.

A living creature
sees what moves
around itself. No longer

does it decide for the bugs
or caprice.
It’s on the edge, injured.

The little of itself
that remains, belongs
to the Chimera.

 

SINHANA

De tão gasto, teu corpo
não te pertence.

Tão lícito, areia à beira-
rio.

Em nós floresce
o medo,

a ilusão da vida inteira.
Em ti, que

Não existes, sobra
o nervo

de seda. Sinhaninha,
de tanto

doce e amaro
teu corpo

a todos redime:
vaso,

embira, ciência, laço
que não finda.

 

SINHANA

So spent, your body
does not belong to you.

So licit, sand at the river’s
edge.

In us flowers
the fear,

the illusion of the entire life.
In you, what

does not exist, remains
the nerve

of silk. Sinhaninha,
both

sweet and bitter
your body

the whole redeems:
vase,

embira, science, knot
that does not end.

—translated by sean negus
Born in Juiz de Fora, Minas Gerais, in 1963, Edimilson de Almeida Perreira is a professor of Portuguese Literature and African Literature of Portuguese Language in the College of Letters at the Federal University of Juiz de Fora. Author of several books of poetry, his poetics are characterized by different languages and personality that places poetry in dialogue with history, ethnology, and anthropology.