estela rosa

ESTELA ROSA

OS FIGOS

Sylvia Plath diz que é preciso
escolher um figo
Mas eu estranho
fico cabreira
Nunca soube escolher figos
Na minha época de pequena
havia a figueira centenária
da minha mãe

Bastava florescer e começava a guerra

A disputa, de início
era eu e minha mãe
verde e maduro

[Antes de madurarem figos viram compotas]

Por meus olhos úmidos
e pela glicose alta
minha mãe desistia dos figos

[Figos nunca foram uma questão de escolha]

E aí mais uma batalha
Os sanhaços
tão azuis, tão bonitos
me carregavam de culpa

Feito pequenas máquinas de devorar
eles escolhiam todos os figos
e eu qualquer figo maduro

Sem poder de escolha
eu defendia os sobreviventes

As armas eram
restos de tecido
retalhos costurados
bicos potentes
lanças na cara

No fim das contas,

as máquinas sempre vencem
e me restava só um figo
O que sobrava.

Então, Sylvia
nunca escolhi meu figo
minha escolha, silenciosa,
sempre foi desistir dos figos.

É que pra alguns, querida,
o que importa mesmo
é a batalha.

 

THE FIGS

Sylvia Plath says one needs to
pick a fig
But I think it’s odd
I’m suspicious
I never knew how to pick figs
When I was little
there was my mother’s
centennial ficus

The day it bloomed the war began

The quarrel, in the beginning
was between me and my mother
green and ripe

[Before ripening figs become compotes]

Thanks to my damp eyes
and to high blood glucose
my mother let go of the figs

[Figs were never a matter of choice]

And then another battle
The sanhaço birds
so blue, so beautiful
flooded me with guilt

Like little devouring machines
they picked all the figs
and me any ripe fig

With no power of choice
I stood for the survivors

The weapons were
pieces of cloth
sewn patches
powerful beeks
spears on the face

At the end of the day,

machines always win
and there was only one fig left for me
The leftovers.

So, Sylvia
I never picked my fig
my silent choice
has always been letting go of the figs.

It is just that for some people, dear,
what really matters
is the battle.

 

WONDERFUL

Uma árvore
rebentada ao meio
não seria mais linda
que uma frase perfeita?

Seus braços
marcados pelas unhas
não seriam mais bonitos
que a simples ideia
de lucidez?

As luzes velhas que piscam
antes de queimar não trazem
mais sentido que as eternas
novidades em tecnologia
com 3 anos de garantia?

Não é divino
o vidro respingado
da chuva torta
a camisa manchada
do sorriso com doce na boca?

Se descobrir
sobrevivente
de dores de cabeça
de camisa com molho
de café nos livros
de descargas de eletricidade
de dedos que se tocaram
e se afastaram
Não seria maravilhoso?

 

WONDERFUL

A tree
broken in half
isn’t it prettier
than a perfect phrase?

Your nail-scratched
arms
wouldn’t they be prettier
than the simple idea
of lucidity?

The old twinkling lights
before burning don’t they bring
any more sense than the eternal
technological releases
with a 3-year warranty?

Isn’t it divine
the splashed glass
of the uneven rain
the bleached shirt
of the smile with a candy in the mouth?

Finding yourself
a survivor
of headaches
of gravy-stained shirts
of coffee-stained books
of electric discharges
of fingers touching
and repelling each other
Wouldn’t it be wonderful?

 

UM CAROÇO DE ABÓBORA JAPONESA

Aprendi
que se você joga um saco de terra no vaso
é incontrolável que surjam pequenas folhas

plantas sem nome
diria minha mãe
é tudo mato

mas resolvi jogar terra em um vaso
e ali algumas sementes que iam pro lixo

não me preocupei
nada do que planto dá
não tenho interesse em fertilidades

mas aí brotou por entre o lixo
uma folhinha

puxei o mato
mas ele saía do caroço da abóbora japonesa
do purê de semana passada

ela ali crescendo
orientalíssima em meu vaso de lixo orgânico
minha última tentativa de gratidão

com o broto na mão
fiquei pensando nos mestres japoneses
e naqueles samurais de coquezinho
naquelas moças com pés cortados
sapatos de madeira
nos budas de porcelana

e aquela folha ali brotando

então é isso, não dá
não sei lidar com vidas pacientes
com essa folha japonesa
delicada rompendo o lixo
feito um hexagrama de i-ching
me ensinando a brotar

mas não dá
é poesia demais pra mim
logo eu que não sei meditar

 

A KABOCHA SQUASH SEED

I’ve learnt
that if you throw a bag of soil in a vase
you can’t stop small leaves from coming up

nameless plants
my mother would say
it’s all grass

but I decided to throw soil into a vase
and then some seeds that would go to waste

I didn’t worry
none of what I plant grows
I’m not interested in fertilities

but then it bloomed in between the garbage
a small leaf

I pulled the grass
but it came out of the kabocha squash seed
of last week’s purée

there it grew
so very oriental in my organic waste bin
my last attempt of gratitude

with the sprout in my hand
I thought of the japanese masters
and those samurais with the little buns
those ladies with chopped feet
wooden shoes
the porcelain buddhas

and that leaf blooming there

that’s it, I can’t
I can’t deal with patient lives
with this japanese leaf
tenderly breaking the garbage
like an i-ching hexagram
teaching me how to bloom

but I can’t
it’s too much poetry for me
me, who can’t even meditate
 

—translated by isadora falcão
Estela Rosa is a writer and poet and graduated in Literature from UFRJ. She is the curator and event organizer at the Mulheres que Escrevem initiative and an editorial board member at the Ferina label, by Editora Pólen. She was featured between the three first places at the poetry category in the Prêmio Off Flip de Literatura 2017 and had some of her poems published at Grampo Canoa magazine, by Luna Parque Edições, by Oceânica magazine and gueto magazine. She was also featured at the “Cartas de Mabel Velloso” exhibition, at Oi Futuro cultural center, and her first book, Um rojão atado à memória, is to be released in 2018 by Editora Urutau.
Isadora Falcão is a translator and poet based in Rio de Janeiro, Brazil. Some of her own poems and translations of Brazilian contemporary poets have been published in the California-based independent publisher The Scrambler (2013).