ROSANE CARNEIRO
UM CÃO DE RUA
Um cão de rua
é mais humano do que uma flor
do que uma foto de família
do que um anel de casamento
O cão de rua
sorri com olhos tristes
a nossa sincera e comum tragédia
Ele não implora
nem reza
Um cão de rua
é órfão
como os irmãos homens
que ele adota nas calçadas
para permanecer ao lado
ou guiar pelos caminhos
Um cão de rua
é imenso
como o mundo
com as gentes das metrópoles
e dos campos ermos
Ele é
um monte
e vira uma espécie de ente
que dentro das pessoas é
alguma coisa
em extinção
STRAY DOG
A stray dog
is much more human than a flower
than a family photograph
than a wedding ring
The stray dog
smiles with sad eyes
at our sincere and common tragedy
He does not beseech
or pray
A stray dog
is an orphan
as much as the brother men
he adopts on the pavements
to stay beside them
or guide them along the paths
A stray dog
is immense
like the world
with its people from the big cities
and from the deserted fields
He is
a hill
and becomes a kind of being
that inside of people is
something
dying out
—translated by david treece
CRESPA
depositar cuidadosamente os cachos sob a mente silente
cabeça pensante, ausente, adiante
ornada de curvas hiperbólicas e extraextáticas
em nada devedoras às mais modernas tecnologias
criadas para a alienação do homem em potência máxima
(fio avesso)
non sense
ser arrastada pelos cabelos ao longínquo de mim mesma e do resto inteiro
besteira
dissociar a encrespada poética particular da rebeldia que me indoma o pelo
CURLY
carefully place the curls beneath the silent mind
thinking head, absent, forwards
adorned with hyperbolic, extra-ecstatic waves
in no way indebted to the most modern technologies
designed for the alienation of mankind at full throttle
(reverse thread)
nonsense
being dragged by my hair far from myself and all the rest
how foolish
to untangle the poetic frizz from the rebellion that keeps my hair untamed
AQUÁTICOS
mar de violetas:
mãos no profundo daquela pele
eu ali, a busca perdida
o achado perfeito.
encarne na água. nós:
o cavalo-marinho.
é tarde, vão as flores pelas vagas,
mil e muitas peles do oceano
e eu aqui, no naufrágio. com as pétalas.
sem resgate.
AQUATIC
sea of violets:
hands in the depths of that skin
and there I was, the lost search,
the perfect catch.
embodied in water. we:
the seahorse.
it is late, the flowers are taken by the waves,
many thousand ocean skins
and I’m here, in the wreckage. with the petals.
and no rescue.
SENHAS
para Takis
‘Let there be a scientific explanation of magnetism, the
poetry of art requires that Knowledge’s assurance be
suspended while anxiety awakens our sensitivity to dream-
like qualities of objects.’
Takis’s Magnetic Nowhere – Nicolas Calas (Manhattan,
November 1961)
como pêndulo transverso às coisas do mundo, eu
canal em travessia pulsátil magnetizado, em mim animal
eólico espírito imantado, cavalo interpenetração dos íons do
diálogo com o espaço, aedo imerso no radar de um universo
vibrátil
sou nós o corso cadenciado pelas partículas intensas da
festa da luz, vivo nós a turba pulverizada pelas frequências
do som e pela eletrognose da cor, cosmos a um átomo da
vibração maior, pulso pluridimensional – a tensa arquitetura
do maravilhamento
é que no feixe das carnes a arte esculpe o gozo
precursor: viver a energia de um esplêndido
vazio em fúria
SIGNALS
as a transversal pendulum to the things of the world, I
magnetized and pulsating cross channel, the animal in me
magnetic wind spirit, a horse interpenetration of ions in the
dialogue with space, a bard immersed in the radar of a vibrating
universe
I am we, the carnival cadenced by intense particles in the
feast of light, I live we, the mob scattered by frequencies
of sound and colourful electrognosis, a cosmos just an atom from
the greater vibration, multidimensional pulse – the tense architecture
of w o n d e r m e n t
it’s that in the bundle of flesh, art carves the delightful
precursor: living the energy of a splendid
raging emptiness